Li este texto e gostei muito, pois fala da importância dos jogos e brincadeiras na educação infantil.
BRINCAR
Tizuko Morchida Kishimoto,
do Laboratório de Brinquedos da USP, fala sobre os jogos e brincadeiras no
ensino Educadoras da rede municipal comentam iniciativas que destacam o ato de
brincar no cotidiano dos alunos.
Jogos
e brincadeiras
Para a professora-doutora Tizuko Morchida Kishimoto,
coordenadora do Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos e do Museu da
Educação e do Brinquedo da faculdade de
Educação da USP, em São Paulo, o ser humano
do século XXI só conseguirá ser um adulto sensível e criativo, se tiver sido uma
criança que brincou muito. “Os pais e a escola têm o papel fundamental de
colocar a brincadeira na formação desse indivíduo moderno”, diz.
Segundo Tizuko, o jogo é importante para
qualquer idade.
Tanto o jogo quanto a brincadeira.“O jogo tem
regras internas e externas, como o futebol e o xadrez. Brincadeira é colocar a
mão na areia ou brincar de boneca. Ambos têm uma característica pedagógica importante, que é dar ao sujeito a possibilidade de tomar decisões. A criança pode parar
e não querer mais jogar, essa é a prerrogativa básica do lúdico. Diferente do
trabalho, onde não se pode parar.
Uma competição internacional de xadrez não
permite que o participante abandone o
jogo. Isso traz implicações. Não há prazer.
Esse jogo, com toda a tensão da competição, está
mais próximo do trabalho do que da
diversão. O brincar, para a doutora,envolve relaxamento. “Brincando, a criança
se socializa, expressa-se. Quando a criança de três, quatro anos cuida da
boneca, ela recria situações de sua casa, de sua vida e usa a cultura do mundo
de fora para criar a sua própria. Nesse brincar, a criança está falando o tempo
todo e desenvolvendo a fala narrativa.
Também aprende a se socializar e a lidar com as
pessoas. Brincar dá duas formas de desenvolvimento para a criança: a de desenvolver
a sua capacidade simbólica e a possibilidade se colocar no mundo, interagindo
com as pessoas. Na brincadeira de casinha, a criança é filha, irmã, pai, mãe,
vive a hierarquia. Essa é uma preparação o mundo, para o ser humano simbólico”,
diz. Outro dado importante, afirma Tizuko, é que, ao brincar, a criança fica
parada, ela desenvolve o seu lado motor. “Não se trata de dar ginástica, mas de
deixá-la se soltar nos movimentos da própria brincadeira, que ajudam a
desenvolver a coordenação motora global e
a fina (de pegar as coisas com as mãos, com as pontas dos dedos).” Brincar também permite o desenvolvimento do
lado afetivo dos alunos. “A criança que brinca é sensível. O que é fundamental
no ser humano do século 21, que
precisa aprender a cuidar da família, dos
filhos. Tem que deixar o menino brincar com boneca e a menina com carrinho.
Isso deve começar em casa, com os pais, ao mesmo tempo que na escola, com os
professores. Essa virada de comportamento depende da mídia também. Propaganda
de boneca para menina e carrinho para menino, está errada. O preconceito de
gênero é coisa de adulto.”
As brincadeiras, diz a doutora, são importantes desde o
ensino infantil, em especial a partir dos três anos de idade, quando a criança
passa a ter a percepção do outro. “Já no ensino fundamental, os alunos se
preocupam com os colegas, com os grupos. Querem jogos com regras, como Banco Imobiliário, Detetive, futebol, xadrez. Tudo que tem regra e
desafio é importante nessa fase. O período do simbólico, do faz-deconta, já foi
e, no fundamental, o que interessa são as regras coletivas.” Tizuko explica que
o educador também pode usar os jogos como instrumento pedagógico, mas essa é
uma abordagem diferente da prática lúdica. “O professor pode usar o boliche no
fundamental, na primeira série, em matemática, por exemplo, usando quantos
pinos o aluno derrubou, a anotação que ele inventou, a somatória para chegar ao
resultado. Nesse caso, o boliche não está sendo usado com sentido de jogo, mas
como instrumento didático, pois quem toma as decisões é o professor. É um uso
pertinente, mas é instrumental. Mesmo o jogo
instrumental é melhor que uma aula no sentido acadêmico. O aluno vê
concretamente as regras, a teoria”,afirmou.
Para a doutora, pais que afirmam que as crianças devem ir à
escola para estudar e não para brincar, não entendem nada de educação. “Eles
acham que educar é ficar copiando.
Por isso há crianças que copiam letras, mas não
sabem o que escreveram. É uma forma de ensino totalmente inadequada. A criança
precisa criar significados. Precisa pelo brincar significativo.”A professora
Tizuko também ressalta que as pessoas não percebem a importância do brincar
significativo. “O ato de brincar implica em regras externas, em ver o outro e a
cultura em que ele vive em casa, no mundo, com amigos.
Hoje não há mais espaço nem tempo para essa
socialização. A criança fica enfurnada na sala de
aula ou fica em casa, sozinha, vendo televisão.
O adulto não ensina mais as brincadeiras do tempo da infância dele. Há uma nova
forma de vida na qual todos correm e a criança perde a possibilidade de brincar
e se expressar com a brincadeira.”De acordo com a doutora, muitos conceitos de
educação precisam ser revistos. “Temos uma educação maluca que não entende o
desenvolvimento da criança. Ensinar é
importante, mas é preciso ver como a criança constrói o conhecimento e aprende. Crianças diferentes idades
pedem formas diferentes de ensinar. Esse é o grande problema hoje. Os cursos de
formação de professores estão agora se dando conta que é necessária a compreensão de como cada criança aprende,
que só teoria não adianta, que é preciso dar educação para que cada um
aprenda.” Observar as diferenças dos alunos é outra questão problemática diz a
educadora. “Em São Paulo
temos 35 a 40 crianças por professor. É inviável observar cada uma delas. E
isso é fundamental na brincadeira. A relação ideal é de 20 a 25 crianças (como
na rede em Santo André).
É preciso uma política pública que dê condições para, depois, haver cobrança de
qualidade.” O mundo todo já prestou atenção para a importância do brincar,
garante Tizuko. “Só o Brasil está na retórica, no fala mas não faz.
Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Portugal
já divulgaram pesquisas indicando que a criança
que brinca promove progressos na estrutura
cerebral melhorando o futuro. O brincar cria um clima descontraído no bebê, o
leva a explorar e construir mais sinapses (conexão entre neurônios). Todo o
desenvolvimento posterior está marcado pela infância e pelo acesso às
brincadeiras. Uma escola rígida cria um cérebro encarcerado,pequeno.”
Criança é movimento, ela precisa se movimentar o tempo todo.
Ficar parada, sentadinha na cadeira, impede que ela brinque. Brincando o aluno
mostra como vê o mundo. A criança fala com o corpo quando brinca.” A afirmação
é da professora Ana Lúcia Carajeleascow, professora
do ciclo três da Creche Heitor Villa Lobos, no
bairro Capuava, em
Santo André. Ela trabalha com alunos de três a cinco anos de
idade e desenvolve o brincar com eles.
“Trabalho a brincadeira voltada para o
desenvolvimento. Promovi mudanças na sala procurando criar um ambiente
interessante, envolvente. Os alunos se desenvolvem com o brincar, socializam-se
e se integram.”
A professora, que é formada em educação física e
faz pós graduação em educação infantil, está
estudando a utilização das brincadeiras como
instrumento pedagógico e resolveu colocar a teoria em prática. “Brincamos
dentro e fora da sala de aula, procurei resgatar brincadeiras antigas como
pular corda, corrida de saco, pé-de-lata. Trabalhei com os pais e com a
comunidade o resgate dessa memória de brincadeiras que é também um resgate
cultural. A cultura das brincadeiras infantis tem que estar presente na prática
pedagógica.” Ana Lúcia comenta que suas aulas podem até parecer bagunçadas num
primeiro olhar, mas há toda uma
estrutura por trás das brincadeiras. “Cada
criança vai atrás do seu interesse, e o professor precisa observar como o aluno
vê o mundo. Curiosamente, não há indisciplina.
As crianças se envolvem com as brincadeiras,
buscam soluções para os problemas que aparecem, ganham autonomia e são mais
independentes.” Para a professora, as crianças desenvolvem o corpo e o cognitivo.
“Em nosso cotidiano de aula, começamos com uma roda de
conversa, os alunos relatam fatos de
suas vidas, ouvimos os interesses de cada um e
aí resolvemos o que iremos fazer. Isso é bem diferente do método no qual o
professor impõe o que irá acontecer na aula. Temos que dar voz para as crianças
porque sabemos que muitas vezes são elas que ensinam o professor”, disse.
A professora já enxerga bons resultados em seu
trabalho com as brincadeiras. “Alunos tímidos se expressam mais. Tenho uma
criança que tinha problemas de adaptação e acabou envolvida pelas brincadeiras.
Até os pais ficaram surpreendidos, pois ela hoje se socializa e ri muito, coisa
que era quase impossível de acontecer.” Ana também ressalta o fato de que os
alunos ficam mais disciplinados e menos
briguentos com as brincadeiras. “Eles desenvolvem os próprios acordos. As
crianças têm muita energia acumulada que precisa ser canalizada para algo que
vá ajudá-las. Eu desenvolvo brincadeiras dentro e fora da sala. Dou até aula de
capoeira. Uma aluna com semi-paralisia cerebral do lado direito, tem
apresentado grandes progressos com as atividades e hoje até participa da
capoeira. Precisamos resgatar na escola as brincadeiras de rua que estão
desaparecendo por causa da violência urbana.”
Ana Lúcia explica que precisou transformar a sala de aula
para tornar o ambiente propício para as brincadeiras e o desenvolvimento da
coordenação motora global dos alunos. “Fizemos vários cantinhos para eles se
divertirem. Há o canto salão de beleza; o canto faz-deconta, com fantasias; o
canto da leitura; o da natureza, com plantinhas e outras coisas que eles trazem e o da brincadeira. Um aluno chegou para mim e disse: ‘tenho que
te dar os parabéns por ter conseguido um lugar assim para a gente’. Existe
recompensa maior?”,
concluiu.